terça-feira, 22 de junho de 2010

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Professor pesquisando professor: desafios intersubjetivos numa etnografia.

TRABALHO APRESENTADO NA 26a REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA - RBA EM PORTO SEGURO - BA

1. Apresentação

Este texto pretende colaborar com as discussões em torno dos “Desafios Contemporâneos para uma Antropologia da Educação: ensino, pesquisa e políticas de igualdade” tema deste grupo de trabalho, à medida que se deseja provocar uma aproximação entre Antropologia e Educação, trilhando por desafios, mas também por conformações de uma relação própria e adequada entre ambas.

A decisão em propor este texto veio no intuito de contribuir, também, com a reflexão da identidade docente e prática pedagógica dos professores e professoras indígenas e não indígenas, particularmente do Centro de Formação e Cultura Indígena da Raposa/Serra do Sol ou com aqueles e aquelas que desempenham funções em áreas indígenas. Traz, assim, parte da pesquisa etnográfica para a dissertação de mestrado intitulada Conflito Interétnico entre Makuxi e Wapixana na Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima, realizada durante o segundo semestre de 2007. As fontes de pesquisa consistem em observação participante como método e entrevistas não-diretivas na Maloca Barro, antiga Vila Surumu, somada à gravações em fitas magnéticas (cassetes) e produção de um curta metragem para vídeo gravado em fita 8mm, trabalhos que está em processo de conclusão.

Portanto, se quer aqui perseguir algumas indagações que levaram ao delineamento do olhar de um professor formador de professores que atua com o referido grupo profissional a dez anos, considerando ainda parte de um “fazimento docente” iniciado em 1989 quando por decisão pessoal, este professor ingressou no curso de Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN. Isto nos impulsionou aos estudos da Metodologia do Ensino Superior e da Pesquisa Científica em 1996 na UERN e, agora, ao Mestrado em Antropologia Social pela UFRN (2006-2007).

Afinal, como uma pesquisa etnográfica pode ser recebida por professores indígenas e não indígenas (percepções internas)? Como pesquisador, respondo às expressões deles (percepções externas)? Por que um professor não indígena necessita de conhecimentos de professores indígenas? Como se formam ou são formadas as posturas daqueles e daquelas envolvidos e envolvidas no processo de investigação? Que espaços para pesquisa podem se mostrar mais adequados para os encontros e desencontros entre os envolvidos numa pesquisa deste “tipo”? Que implicações as posturas assumidas inter sujeitos são requeridas antes, durante e depois da pesquisa?

Esclareço que para marcar quem é quem nos textos falados, deixo a partir de agora a condição da impessoalidade do trabalho científico visto que a generalidade seria pouco provável de facilitar o entendimento tanto da pesquisa realizada quanto do presente texto, ressaltando que, estou convicto de uma força que a pesquisa antropológica me fez descobrir: aquela em que a diversidade identitária é tão dinâmica quanto às forças que mobilizam uma sociedade, seja indígena ou não.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Sobre Etnogênese no Nordeste e na Amazônia

Um diálogo literário com o Dr. João Pacheco de Oliveira Filho (Antropólogo do Museu Nacional - UFRJ).

De minha autoria - Wanderley Gurgel de Almeida

Quando o cientista social João Pacheco de Oliveira Filho [UFRJ], competentemente se debruça em prol de uma etnologia dos povos indígenas do Nordeste do Brasil (1998), além de gerar uma economia da produção etnográfica regional, reconhece que estas sociedades indígenas geralmente “costumam tomar o território como um fator regulador das relações entre os seus membros” (op. Cit., p. 54). Assim, propõe no texto, que há um ato político que o chama por territorialização que, para ele é:

[...] justamente, o movimento pelo qual um objeto político-administrativo — nas colônias francesas seria a “etnia”, na América espanhola as “reducciones” e “resguardos”, no Brasil as “comunidades indígenas” — vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o relacionam com o meio ambiente e com o universo religioso (Op. Cit., p. 56).


Examinando a categoria proposta por João Pacheco de OLIVEIRA FILHO – territorialização – haveremos de entender que o sentimento de identificação de uma etnia com o espaço geográfico em que habita, ocupa uma posição importante na regulação das relações sociais internas e externas. Para se ter uma boa noção do quanto isto é relevante, numa nota o Autor esclarece que:

Se na Amazônia a proporção entre terra/homem é de mais de mil ha por índio, no Nordeste, onde a população indígena é numerosa (porque já atravessou em gerações passadas os desequilíbrios demográficos vividos nas primeiras fases do contato), essa relação corresponde a 7,2 ha para cada índio (Nota 9, p. 71).

Mas e o estudo do contato? Ele tem se mostrado sem nenhuma implicação? Oliveira Filho reconhece que no Brasil, a Antropologia abre margem para debater o conflito interético pondo em implicação relação sociedade – natureza, esta última para além da restrição espacial, pois tanto na Amazônia quanto no Nordeste, percebe que a distribuição eqüitativa para ocupação homem e ambiente.
Um avanço que o Professor João Pacheco faz é que como o próprio título diz, tem-se uma substanciosa análise acerca dos obstáculos ao estudo do contato. Para a pesquisa efetuada por mim, o referido texto não é apenas uma referência a mais. Consiste na trilha ideal para entender os meandros, as voltas estabelecidas entre as etnias estudadas, apesar de que ele tenha dirigido a atenção para a relação entre tutores e os Ticuna, índios estudados pelo antropólogo alemão Curt Nimuendaju que habitavam as margens do rio Solimões, entre a ilha Parauté e o baixo curso dos rios abaixo da margem oposta da linha divisória do rio Putumá ou Içá, que evitavam as margens dos rios Amazonas-Solimões, por temerem os índios Omágua e Cambeba, seus tradicionais inimigos e dominadores.
Não posso omitir que foram vários os obstáculos encontrados para a realização da pesquisa empreendida por mim. E estes obstáculos em certa medida, se tornam também, um aspecto teórico a ser discutido, e discutido considerando aspectos contextuais regionais que só pude encontrar no trabalho do Professor João Pacheco. Integram o conjunto desses obstáculos as seguintes seções: 1) De problematização e 2) De teorização e metodologia .
Para começar, nas fontes escritas e audiovisuais encontradas por mim, em nenhuma delas se pode ver ou ouvir sobre problemas de contato interétnico entre Makuxis e Wapixanas. Há fartamente sim, sobre problemas surgidos quando do contato entre índios e não índios, sobretudo com o acirramento manifesto a partir da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, área em que as referidas etnias habitam. Uma diversificada produção de textos escritos e falados, ilustrados ou não, transcorreram durante a pesquisa de campo e a elaboração desta dissertação, um material tão vasto que tomaria uma margem estimável de espaço se eu fosse aqui abordar uma a uma. Mas sem nenhuma menção a problemas entre Makuxis e Wapixanas. Como problematizar algo que não está sendo percebido na atualidade?
O Autor com quem estabeleço a presente discussão provoca na primeira seção, indagações como: Como foi constituído o olhar do pesquisador? Quais as teorias e conceitos que o levaram a selecionar certos feitos como relevantes, fazendo silêncio sobre outros? Quais os pressupostos implícitos nas explicações que pretende fornecer? Tais interrogantes são por ele sustentadas a partir da premissa de BACHELARD: “É preciso formar a razão da mesma maneira que é preciso formar a experiência” (1968, p. 147). OLIVEIRA FILHO quer com elas, dar um roteiro que ajude na elucidação do que ele denomina de “obstáculo epistemológico” (1988, p. 24), enquanto anuncia o objetivo do trabalho escrito por ele que seria o de aprender a racionalidade de construção de algumas tentativas de resposta e como aí se cristalizam certas resistências ao progresso posterior da pesquisa. Para ele, o grande objetivo do texto etnológico seria:

Passar por um crivo crítico tais interpretações, pelas quais teorias científicas e tradições culturais pretendiam dar conta dos fenômenos aí incluídos. [...] Conceitos e categorias necessitam ser tratados não como ‘erros’ ou ‘aproximações’ inexatas e sim, pô-las em um ‘sistema integrado de conceitos, que permita refletir sobre certos aspectos da realidade, ao preço de dificultar de dificultara apreensão de outros’ [...] uma ‘catarse intelectual e afetiva’ (op. Cit., p 25).


Suas provocações me suscitaram uma compreensão em que meu olhar não é, pois, meu. É reflexo da consubstanciação entre o passado e o presente nos quais estive e das opções que fui fazendo regido por uma escala de valores sociais. Sim, porque havia escolhido ser professor e como qualquer outro exercício profissional, requer o respeito a normas de conduta que são elaboradas socialmente. Por sua vez, as teorias adotadas por mim neste trabalho não vieram de uma escolha pessoal, mas de uma seleção requerida pelas características constituídas da relação entre as etnias em foco, isto é, do caráter histórico do contato entre elas, da questão da ferramenta de dominação pelo ensino da língua Makuxi aos Wapixana, do casamento intertribal e mesmo do problema “eclipsado”, ofuscado pelo brilho de um conflito de dimensões maiores, no caso, entre índios e não índios. Tudo isto eleito por mim como corolário de encontrar as melhores vias para que eu venha contribuir positivamente para com a formação de professores indígenas, público alvo do meu exercício profissional.
Quanto ao campo teórico, segunda e mais extensa seção elaborada por Oliveira Filho, dá conta de uma revisão teórica que não pode ser deixada de lado. Lembra-o que a comparação sistemática de Tylor (s. d.) não responderia às demandas que a discussão do contato querem hoje, pois para ele, o que interessava era a classificação, no caso, a posição de uma determinada tribo numa escala evolutiva em relação ao passado. Refere-se também a Gusdorf (1974) assinalando o que propunha quanto aos “pontos de parada” na escala evolutiva e, adjunto a ele, o Barth (1969) elegendo as tribos como “entidades discretas”, ambos concebendo essas sociedades como agrupamentos recortados e estáticos de si mesmos. Neste ínterim, cita Bachelard (1970) quando já criticava um esforço de alguns etnólogos em desvendar os interiores como se fosse fácil o acesso ao pensamento inconsciente, visto serem do “reino dos sonhos” (Nota 7 – Bachelard, p. 27).
Pacheco reconhece que esforços foram feitos para se encontrar uma adequação teórica que comportasse novas abordagens para problemáticas já conhecidas, como sobre a interação e modernidade (Herskovits e Ralph Linton), assimilação (Znaniecki, Park e Pierson) sobre o encontro entre caboclos na Amazônia; trocas culturais e mudança cultural (Wachtel), perda cultural (Ribeiro) e sobre um índio genérico e uma antropologia da integração (Da Matta), geralmente discussões polarizadas entre a homogeneidade e heterogeneidade.
Esta preocupação ocupou o “norte” de minha conduta quando planejamento teórico e metodológico. Busquei criar nexos entre teorias de estudo do contato e conflito interétnico com a etnociência pela etnohistória, não por uma opção individual, mais porque nas raízes do problema – relações de contato entre Makuxis e Wapixanas – identificava implicações quanto à forma e conteúdo do modo como estas etnias elegem o ambiente não como um cenário, mas como um dos elementos pertinentes à identidade coletiva. Disto, está a luta pela permanência exclusiva destas etnias na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Encontrei a primeira evidência dessa relação sociedade – natureza, no mito de origem Makuxi, relembrado anteriormente e representados na raposa e nos irmãos filhos de Makunai’ma e na sua inclusão no currículo pedagógico do Centro de Formação e Cultura da Raposa Serra do Sol, especificamente nos projetos Pomar, Gado e Herbário.
Quando apresenta o que para ele consiste em três realidades culturais, Pacheco refere-se a Malinowski (1938) para considerar que o relativismo cultural ou funcionalismo dissociou diferentes ordens de racionalidade, opondo-se a Andrey Richards (1938) quanto a existência de um “ponto zero de mudança social” que seria um instante de equilíbrio na vida tribal anterior ao contato. Para Malinowski, não havia condições de este ponto zero ser identificado, visto não ter por onde se observar algo inscrito no passado. Daí, o que restaria era captar as mudanças sociais e culturais sobreviventes que não estaria presente, como afirmara Mônica Hunter (1936; 1938) numa “cultura genitora” e igualmente a Fortes e Schapera que concebiam o contato como um fenômeno integrado cujo estudo da cultura das sociedades envolvidas, propiciaria alcançar um “estado de relativo equilíbrio”. Para Malinowski, já havia condições de se fazer uma “antropologia do nativo em mudança”. Tal postulado, requeria uma concepção de sociedade como “um conjunto de instituições que cumprem funções sociais satisfazendo a um todo coerente e relativamente equilibrado” (MALINOWSKI, apud Pacheco de Oliveira, 1975, p. 34), e de função compartilhada por Radcliffe-Brown, Fortes, Schapera e E. E. Pritchard.
Havia na concepção de Malinowski, segundo o Professor João Pacheco, uma assimetria para o processo de mudança que implicaria na necessidade de se conhecer o nativo, por ser o primeiro a ser afetado pela mudança cultural. E, na tese de Schapera, um pressuposto que impunha a necessidade de captar conteúdos concretamente atualizados pelas instituições coloniais nas situações de contato. Quanto para Fortes, caberia às agências de contato, aprender sobre a dinâmica da atuação da administração local e das missões. Para Malinowski, “agências de contato são corpos organizados de seres humanos trabalhando para uma finalidade definida, manipulando um aparato apropriado de cultura material e sujeitos a uma carta de leis, regras e princípios” (MALINOWSKI, apud Oliveira Filho, 1988 [1945], p. 65).
Não tinha como encontrar um “marco zero” como afirmara Andrey Richards. Afinal, antes da chegada dos primeiros grupos Makuxi à região, há indicações de que os habitantes Wapixana já mantinham relações sociais de conflito com seus vizinhos Taurepáng e Ingaricó. Há informações dadas por habitantes da Maloca Barro a mim que no começo, assim que chegaram era monogâmico, o que interpreto como um modo de garantir a receptividade com os “nativos”
Buscando os avanços feitos na Antropologia em torno das teorias de contato, ainda o Professor João Pacheco transita por idéias de Max Gluckman (1939; 1947). Deste, vê uma concepção de contato que, indiscutivelmente, vai à frente daquela proferida por Fortes e Schapera. Para Max Gluckman, “o contato não é um fator desintegrador [...]. A existência de uma única comunidade africana branca em Zululand [é] uma unidade de vida e não de costume – uma aldeia, cidade, acampamento, econômico e na vida social” (GLUCKMAN, apud Oliveira Filho, 1988, p. 39). Perspicazmente, o Professo João Pacheco também detecta nas idéias de Gluckman, uma boa noção de campo social, porque nele, habita o sentido de campo de interdependência [grifo meu]. Para isto, o Professor reconhece um avanço ainda maior porque com Gluckman, se defende um conhecimento histórico [grifo meu] superando generalizações comparativas que colide exatamente com as compreensões psicológicas anti-históricas, eliminando definitivamente, uma causa inconsciente para o estabelecimento de um conflito interétnico. Portanto, Pacheco de Oliveira concorda com Swart para reconhecer campo como “composto de atores diretamente envolvidos nos processos estudados”, entendendo que os participantes do campo de pesquisa trazem e praticam valores, sentidos, recursos e estratégias de relacionamento, “cuja extensão e características mudam com a adição de novos atores [por onde] um alto grau de consistência lógica e de relevância em face do objeto teórico de pesquisa, se torna uma questão-chave” (SWART, apud Pacheco de Oliveira, 1988, p. 41).
Conclui o Professor João Pacheco que, ora o exposto, fica inviável uma concepção natural de sociedade e, consequentemente, de conflito. Apoiado em George Balandier (1971), aponta que processos sociais em sociedades indígenas, têm o mesmo sentido no todo e no particular, ou seja, bem centrado no reconhecimento da ação na história e que se alinha bem com a idéia de fenômeno social total, premissa de Marcel Mauss. Assim conjugados, Pacheco de Oliveira suplanta o determinismo da idéia de instituição malinowskiana. Refuta, portanto, a crença de que o contato e a mudança cultural ocorreriam somente entre instituições homólogas (Oliveira Filho, 1988, p. 44).
No Brasil, este mesmo Autor recupera a categoria criada por Roberto Cardoso de Oliveira, a de “fricção Interétnica” bastante discutida entre as décadas de 1960 e 1980. Explicando como aplicar a abordagem de Cardoso de Oliveira, João Pacheco indica os passos: primeiro, ter em mente o objetivo de captar e datar os desdobramentos do contato através do tempo na perspectiva de auto-condução; a seguir, registrar ao máximo a situação de contato sob os aspectos competitivos e conflituosos da conduta tribal e não tribal, para então se obter a aplicação da concepção de fricção interétnica como uma “situação de contato entre duas populações ‘dialeticamente unificadas’ através de interesses diametralmente opostos, ainda que interdependentes” (CARDOSO DE OLIVEIRA, apud Oliveira Filho [1962: 127] 1988, p. 45). Para nosso Autor, não haveria um termo mais apropriado senão atrito [grifo meu] porque reúne conflito e interação continuada (op. Cit.), abolindo outras concepções como transmissão, adoção, assimilação ou incorporação, bem como por suplantar a concepção prévia de que de contato como “algo acidental e instantâneo... [que] pressupunha a condição de índio como passageira, levando os pesquisadores a não projetar nos fatos observados idéias quanto à ‘extinção’ (brusca) ou ao ‘desaparecimento’ (gradual) desses povos” (Oliveira Filho, 1988, p. 46). Tens, portanto, a partir de Cardoso de Oliveira, uma categoria a que qualificaria de mais resistente, reconhecida pela expressão de sistema interétnico [grifo meu], composto de dois subsistemas: o tribal e o nacional em oposições recíprocas, até porque afasta “uma visão negativa de conflito” que é substituída pela idéia de “desajuste temporário” (op. Cit., p. 46).
Cardoso de Oliveira sugere a idéia de integração social [grifo meu] designando “o processo responsável pela constituição desse sistema interétnico” (op. Cit., p. 46) que se traduzem em três níveis: o econômico, o social e o político. Esses por sua vez, adquirem um potencial de integração [grifo meu], categoria adjunta a de fricção interétnica, definida por Cardoso de Oliveira como “o grau de dependência que um grupo tem de recursos controlados por outro, o que indicaria a sua capacidade de integração no sistema interétnico” (CARDOSO DE OLIVEIRA, apud Oliveira Filho, p. 47). Conclui Oliveira Filho que Cardoso de Oliveira havia estabelecido uma analogia entre fricção interétnica e luta de classes.
Continuando seu corpo teórico, Oliveira Filho na mesma obra, refere-se a Bailey (1960). Faz isto trazendo à avaliação teórica sobre contato e conflito interétncio, particularmente uma concepção de aldeia [grifo meu]. Para ele, “aldeia não é um todo em si mesmo. [Mas] Uma unidade dentro de uma estrutura maior, onde existem lados individuais e relacionamentos indo muito mais além dos limites da aldeia” (BAILEY, apud Oliveira Filho, [1960: 267-9] 1988, p. 50). Outra categoria, elemento do ideário de BAILEY é o de arena [grifo meu]. Esta é concebida como sinônimo de campo ora para indicar setores dentro desse campo, ora indicando a existência de uma estrutura única de regras que delimitam, segundo Oliveira Filho, um tipo de competição política (BAILEY, apud Oliveira Filho [1960: 135], 1988, p. 50-1). Dentro desta arena, para Bailey, ocorreriam o conflito e a contradição. O primeiro designando aquelas disputas para as quais a estrutura dispõe de mecanismos corretivos e reguladores e, o segundo, aquelas outras onde não atuam tais mecanismos.
Para Oliveira Filho (1988) três grandes dificuldades podem ser encontradas por quem adote o quadro conceptual de Cardoso de Oliveira e Bailey, no momento da discussão etnográfica: 1) O papel fortemente passivo assumido pelas comunidades locais; 2) A despreocupação com fatores culturais e 3) Encontrar conceitos reais e não ideais. A primeira, pela condução forçada a que é levado o pesquisador a tomar a população local como meros atores, ou seja, a interpretarem papéis e não serem reconhecidos como agentes de domínio próprio; a segunda, a oclusão pelo mesmo ao não aparente, o sensitivo, as abstrações a que constituem os fatores culturais; e, terceira, embora levado a procurar o visível, deixe o pesquisador, de fazer representar fatores reais em conceitos reais, caindo no plano ideológico. Para Oliveira Filho (1988) o que o pesquisador em Antropologia deve buscar um,

processo concreto de pesquisa [que se dá] na sobreposição de três elementos: a) um conjunto limitado de atores sociais (indivíduos e grupos); b) ações e comportamentos sociais destes atores; c) um evento ou conjunto de eventos, que referencia a situação social a um dado momento do tempo (GLUCKMAN, apud Oliveira Filho, 1988, p. 55).

Trata-se do que Oliveira Filho chama de démarche construtivista que se pode, segundo ele, aprender das “relações abstratas e valores grupais a partir da observação e valores grupais a partir da observação da conduta manifesta” (op cit., p. 55).

Neo-colonizadores – velha colonização.

Prof. Wanderley Gurgel de Almeida*

Tudo como sempre fora: o desbotado e vago discurso do colonizador europeu, agora dirigido aos habitantes da Região Norte brasileira. Desta vez, de quem deveria conhecer e bem nossa Amazônia.

Vejamos bem o que disse O ministro de Assuntos Estratégicos e coordenador do Projeto Amazônia Sustentável (PAS), Mangabeira Unger “Nossa tarefa na Amazônia não se reduz à proteção da floresta e à organização do manejo florestal sustentável”, ressaltou Unger afirmando que a defesa da Amazônia não estará completa enquanto não forem colocados em prática projetos de desenvolvimento sustentável. “Sem projeto econômico, consequentemente, não haverá estruturas sociais produtivas e organizadas [na Amazônia] (...) Qualquer discussão nossa com o mundo a respeito da Amazônia é a reafirmação inequívoca e incondicional de nossa soberania. Quem cuida da Amazônia Brasileira é o Brasil e mais ninguém”, afirmou, segundo a Agência Brasil (28/05/2008).

Analisemos por partes. Primeira: “Nossa tarefa na Amazônia não se reduz à proteção da floresta e à organização do manejo florestal sustentável”. Ora, quem disse que isto é tarefa exclusiva dos “soldados da metrópole”? E que visão míope é esta de retirar o Homem e a Mulher da noção de ambiente? Será que apenas a floresta carece do “guarda-chuva” [de metal!] da “metrópole”? Como se pode conceber desenvolvimento sustentável omitindo a presença humana no espaço físico? E será que há apenas o bioma de floresta na Amazônia?

Segundo trecho: “Sem projeto econômico, consequentemente, não haverá estruturas sociais produtivas e organizadas [na Amazônia]”. Até quando teremos de suportar o mito de que populações tradicionais não têm projeto econômico, estrutura social produtiva e capacidade de organização [como se não fossem organizadas]?

Terceiro e último trecho: “Qualquer discussão nossa com o mundo a respeito da Amazônia é a reafirmação inequívoca e incondicional de nossa soberania. Quem cuida da Amazônia Brasileira é o Brasil e mais ninguém”. Os problemas da Amazônia é sim do interesse de cada um de seus habitantes e não apenas de uma cúpula política. Diria mais: é menos discussão e mais atitude, menos palavra e mais ação que sequer foi afirmada. Como reafirmar o que não foi afirmado, pois grande é o número de desassistidos de serviços básicos de saúde?

Pelo visto, estamos muito bem assessorados. E a academia não pode deixar passar em brancas nuvens, esse gênero de política governamental. E aí, o que esperar agora?

*Sociólogo, mestrando em Antropologia Social e Professor Efetivo do Estado de Roraima.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Uma revisão bibliográfica sobre conflito interétnico.

As características da situação de conflito interétnico que compõem este trabalho impõem um start que leva a um exame da compreensão antropológica sobre contato e, consequentemente, a uma revisão teórica acerca de conflito interétnico, pretendendo compor um quadro anterior, como é possível quando se estuda sobre o passado da ocupação das terras do que vem ser hoje o estado de Roraima. Uma compreensão que rompe o circuito epistemológico e que parte para uma sintonia teórica apropriada com as especificidades desta pesquisa: não um conflito exclusivo entre índios e não índios; mas, entre estes.

O dicionário Aurélio da língua portuguesa (1993) tende a dar uma noção geral na sociedade local, o dicionário. Foi quando identifiquei um distanciamento maior em relação ao que indicava a pesquisa bibliográfica e as evidências da investigação em campo. Mas como sair da sinonímia? Afinal, na língua portuguesa brasileira, conflito tem o mesmo significado de guerra. Conflito é definido como “Luta, combate. Guerra. Desavença, discórdia” (op. Cit., p. 138). Mas, conflito e guerra é uma coisa só? A mesma fonte define guerra como “luta armada entre nações ou partidos; conflito. Expedição militar; campanha. A arte militar. Oposição” (op. Cit., p. 281). Portanto, há aqui apenas um só objeto semântico. Da Sociologia, uma definição para ambas pode ser identificada no livro de Pérsio Santos de Oliveira (2001) como “processo social que decorre da luta pelo status social. Quando indivíduos ou grupos procuram derrotar ou destruir um rival, de forma consciente e pessoal, surge um conflito” (op. Cit., p. 236). Com sua forma simples de fazer compreender, sugere, portanto, vir por ocasião da luta entre classes sociais, no tom marxiano e weberiano .
Para Marx e Weber, só há conflito na sociedade por causas sociais, políticas e econômicas e somente quando por oposição entre proprietários dos meios de produção – a burguesia, e os que dispõem apenas da força de produção – o proletariado, o que culminaria na luta de classe, idéia originária da Revolução Francesa (1789) e atualizada por Karl Marx e seu colaborador Friedrich Engels no trabalho Manifesto Comunista (1848) para os quais "a história de todas as sociedades até hoje é a história da luta de classes” (Marx; Engels, [1998], p. 4). Um conflito entre capital e trabalho.

Mas, como identificar classe social em sociedades indígenas, partindo do critério de donos dos meios de produção e aqueles, outros, proprietários da força de trabalho? Um esforço de atualização do entendimento de Marx e Engels pôde ser apresentado por alguns autores e autoras. Tratam de uma releitura do marxismo ortodoxo.
A abordagem dos fatores políticos tem centralidade e a política passou a ser enfocada do ponto de vista de uma cultura política, resultante das inovações democráticas, relacionadas com as experiências dos movimentos sociais, e tendo um papel tão relevante quanto a economia, no desenvolvimento dos processos sociais históricos. Duas grandes referências fundamentaram esta releitura. A teoria da alienação desenvolvida por Lukács (1960) e pela escola de Frankfurt, e a teoria de Gramsci sobre a hegemonia. A primeira aborda a alienação "em termos dominação dos sujeitos por forças alheias que impedem o pleno desenvolvimento de suas capacidades humanas e a emancipação como a libertação das garras destas forças alheias, sejam elas "forças da natureza" ou advindas da organização da sociedade" (Assies, 1990: 24).

Podemos situar conflito interétnico dentro do arcabouço dos movimentos sociais, ou seja, das dinâmicas sociais? Nesta direção, uma aproximação entre conflito interétnico e a idéia de que um movimento social por parte de organizações existentes, interage socialmente, favorece a uma mobilidade por problemas advindos de seus interesses cotidianos, como cidadãos, consumidores, ou como cidadãos usuários de bens e serviços públicos. Nesta perspectiva, conflitos interétnicos tornam-se movimentos sociais porque só existem pelas ações práticas dos homens na história. Organização e consciência ganham topo na hierarquia para elucidar o seu estendido.

Qual seria a base de sustentação para este enquadramento, considerando o processo de desenvolvimento histórico dos conflitos sociais? Os textos consultados e apresentados a seguir, apontam para a observação de um consenso dentro do approach marxista, denotando que a realidade necessita de ferramentas da racionalidade científica desde a concepção à prática, mas que nem sempre pode ser visualidade na relação hipotético-dedutiva se...então, causa...efeito. Ela requer outras explicações que, imediatamente, não são reveladas, corporalmente. Através da objetividade pode ter ou não, acesso à forma e aos modos de como os fatos, fenômenos e acontecimentos em geral da realidade, realmente ocorrem e porque eles são desta forma e se apresentam de outra. O eixo dessa discussão vem girar em torno da validade ou não desta perspectiva, da hierarquia ou não dos setores que compõem as relações sociais dos homens entre si e com a natureza.

Revolvendo conceitos

Para viabilizar um alinhamento entre conflito interétnico estabelecido entre índio e índio, carece de cautela na tentadora vontade de radicalizar sob o solo do Manifesto Comunista. Pois como diz Gohn:

elementos como socialização, processo educativo, interação social, autoconsciência, não-consciência, identidade coletiva e individual baseadas em fatores de gênero, preferências sexuais, etnicidade etc permaneceram fora das principais correntes marxistas de análise e reflexão. O processo político e seus níveis de autonomia também não foi um ponto central naquelas análises. Por isso, os temas que serão destacados pela maioria dos estudiosos marxistas dos movimentos sociais tem um ponto de partida nas questões estruturais, de forma a ter uma base para o entendimento dos conflitos sociais (ASSIES, apud Gohn, 1990, s. p.):


Mas, há espaço na Sociologia para vincular conflito com guerra como sugerem dicionários? Não. Sobre guerra, Santos de Oliveira apenas diz que “pessoas ou grupos podem canalizar sua tensão para a guerra ou a criminalidade” (op. Cit., p. 40). Uma concepção política ampliada para conflito no sentido político é mais bem caracterizada pelos cientistas políticos Bóbbio, Matteucci e Pasquino (1992) que, ao estabelecerem uma concepção para conflito, afirmam: “... é uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica choque para o acesso e a distribuição de recursos escassos” (op. Cit., p. 225). E indicam características para que assim possa ser reconhecido como tal:

Dimensões, intensidade e objetivos. Quanto à dimensão, o indicador utilizado será constituído pelo número dos participantes, quer absoluto quer relativo à representação dos participantes potenciais [...]. A intensidade poderá ser avaliada com base no grau de envolvimento dos participantes, na sua disponibilidade a resistir até o fim (perseguindo os chamados fins não negociáveis) ou a entrar em tratativas apenas negociáveis [...] e objetivos [...], de mudanças no sistema” (op. Cit., p. 226).

Esses últimos autores advertem que a violência não deve ser tomada como índice de reconhecimento. Consiste apenas de um componente de sua existência, de uma quebra de normas pactuadas (idem, ibidem).
A partir do que Bóbbio, Matteucci e Pasquino (1992) sintetizam e apontam, dois grupos de pensamento podem ser formados: 1) daqueles que reconhecem um continuum [grifo dos autores]. Estes vêem harmonia e equilíbrio seja no grupo, sociedade e organização. Como integrantes deste encontram-se: Comte, Spencer, Pareto, Durkheim e Talcott Parsons. Portanto, nesta linha ideológica qualquer conflito é uma perturbação, uma quebra de um estado normal causadas por fatores extra-sociais que devem ser reprimidos porque é uma patologia social. E 2) do grupo em cuja composição encontram-se Marx, Sorel, John Stuart Mill, Simmel, Dahrendorf e Touraine. Para estes,

qualquer grupo ou sistema social [é] marcado por conflitos por que em nenhuma sociedade a harmonia ou o equilíbrio foram normais. Antes, são exatamente a desarmonia e o desequilíbrio que constituem a norma e isto é um bem para a sociedade. Através dos conflitos surgem as mudanças e se realizam os melhoramentos. Conflito é vitalidade (op. Cit., p. 226).

Já a guerra , apesar de haver registros sobre tantas nas mais diversas sociedades, só a partir de Maquiavel que ela passou a ser tratada como algo passível de um estudo mais sistemático. Para ele, guerra é um fenômeno controlável e previsível. Assim, um estado de guerra só pode ser entendido concomitante ao estado de paz, cujo debate ocorre na base das ciências jurídicas. Explica mas não a decompõe, sistematiza. Na ciência social Política, implica e pressupõe uma força armada, excluindo, portanto qualquer raiz personalítica, mas como o filósofo e cientista político Hobbes a definia no seu Leviatã: “the nature of war consisteth not in actual fighting, but in the known disposition thereto” (1974).
Para o psicólogo gestaltista alemão Kurt Lewin (1975), o conflito está no indivíduo como:

a convergência de forças de sentidos opostos e igual intensidade, que surge quando existe atração por duas valências positivas, mas opostas (desejo de assistir a uma peça e a um filme exibidos no mesmo horário e em locais diferentes); ou duas valências negativas (enfrentar uma operação ou ter o estado de saúde agravado); ou uma positiva e outra negativa, ambas na mesma direção (desejo de pedir aumento e medo de ser despedido por isso).


Nesta mesma ciência, conflito é para Salvatore Maddi:

um antagonismo psicológico que perturba a ação ou a tomada de decisão por parte da pessoa. Trata-se de um fenômeno subjetivo, muitas vezes inconsciente ou de difícil percepção. De modo geral, o indivíduo tem consciência apenas do sofrimento ou da perturbação de comportamento, originados do conflito reprimido” (apud Silmara Leithold, UFPR, 1985).


Para guerra, a psicologia parece sugerir ser uma intensão desta, ou seja, uma finalidade que se dá, um adjetivo. Para o psicólogo Oliver Zancul Prado (2008), a Psicologia ainda não encontrou um consenso para estudos sobre a guerra, mas arrisca denomina-la como uma “psicologia aversiva”.
Afinal, o que está deflagrado em terras de Roraima: um conflito ou uma guerra? Este ou esta “é culpa” de um indivíduo ou de um grupo, uma coletividade? Sabemos de invasões, liderança exercida, enfrentamentos judiciais, territórios questionados, grupos armados [porém bem ‘intencionados’] e muitas ações que vão desde o terrorismo psicológico às provas materiais como grupos milícias de mascarados, tropas fardadas e carros sem placas.
Não percebo uma relação conflituosa entre etnias Makuxi e Wapixana em nenhum dos padrões acima mencionados. Não há uma rivalidade entre pessoas. Isto exclui a marca psicológica, tanto no sentido de Kurt Lewis quanto em Salvatore Maddi ou segundo Oliver Zancul Prado. Mesmo tendo presenciado uma cena em que uma senhora Wapixana cuspiu no rasto de uma índia moça que passava, enquanto eu observava a um jogo de futebol sentado ao banco externo da quadra de esportes, me convenceu de uma conotação psicológica para este conflito, embora um sentido de contradição seja encontrado, por exemplo, quando por ocasião de uma índia enfermeira que visitara a minha residência em Boa Vista. Ela me dizia que na Casa do Índio, ambiente hospitalar existente em Boa Vista – RR, “jamais se interna um índio Makuxi com um Wapixana na mesma enfermaria, sob o risco de haver ‘briga’ dentro da própria enfermaria, pois um sempre desconfia do outro” (ANÔNIMO, 40 anos de idade – enfermeira).
Fazendo uma aproximação deste às condições políticas prescritas por Bóbbio, Matteucci e Pasquino, não contempla a totalidade destas. Se efetuarmos uma relação com aqueles que põem conflito na direção de que todo ele tende a se estabilizar em prol de uma harmonização, eu diria que não procede, visto que tenho percebido uma forte presença de dominação na forma de ocupação de papéis sociais bem definidos: todos os professores entrevistados nas duas escolas da Maloca Barro, são da etnia Makuxi. Isto sugere uma dominação pela ocupação de cargos influentes no centro da etnia, como entendo ser lá uma das funções do professor.
Uma informação importante que dá segurança a esta conclusão pode ser assim percebida:



O Núcleo Insikiran, com o objetivo de fazer um diagnóstico de estudantes indígenas na instituição, por meio do Sistema de Informações [o trecho do jornal apresenta um tópico frasal incompleto]. A primeira etapa do levantamento está em fase de finalização, com base nas matrículas realizadas no semestre 2008.1. O diagnóstico inicial deste semestre revela dados interessantes. Foram identificados, por exemplo, que a etnia com maior número de matriculados na UFRR é a macuxi (sic), com 184 pessoas, seguida da wapichana (sic), com 88. Na licenciatura intercultural estão matriculados 237 índios de diversas etnias. Destaque para o aumento da presença dos yekuana (sic), também conhecidos como mayongong, que vivem a noroeste de Roraima, divisa com a Venezuela dentro da área Yanomami. O grupo conta com uma população de 500 índios, dos quais sete estão matriculados na UFRR. Também freqüentam as aulas da universidade os ingaricó, taurepang e wai wai (sic) (Jornal Folha de Boa Vista, Especial: 22 abr. 2008).


O segundo grupo , classificado pelos três cientistas políticos, não o incluiria no critério sugerido por eles como procedente porque, como a história das duas etnias em foco diz, há fases em que ambas se alinham em defesa de algo coletivo, e/ou se rivalizam quando pela defesa da ocupação das representatividades superiores, isto é, quando estabelecem disputa eletiva, por exemplo, para a Presidência do Conselho Indígena de Roraima. E, nem sempre é de vitalidade, pois o que percebo é um crescente enfraquecimento do sentimento de coletividade, dentro e fora da Escola Pe. José de Anchieta e no Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, quanto na própria organização política indígena no Estado. Antes da homologação, havia o Conselho Indígena de Roraima; com ela, a criação da Sociedade dos Índios Unidos de Roraima, esta última congregando aqueles contrários ao modelo demarcatório.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Professores Alienados - uma realidade?

Todas as vezes que leio ou ouço alguém classificar professores de alienados, fico pensando na repercussão que esta antiga percepção de mundo provoca. Assim, não posso eximir meu descontentamento com isto. Afinal, a que serve este pensamento? Averiguando a partir de minha formação, uma concepção para o termo alienação, há duas possibilidades.

Para Hegel, é processo inevitável e essencial à consciência, pois consiste na primeira condição necessária à passagem da ingenuidade à posição de realidade, passando a associar o que acontece consigo e com os outros, com o conjunto de situações ao seu redor. No entanto, Marx sugere entendimento de que a alienação resulta das condições dominantes presentes no pensamento e ação capitalistas, onde o trabalho e o fruto deste que ocorre tão imediato e fora de seu interesse, a tal ponto de ser transformado em mercadoria, sem que o trabalhador o reflita, o conheça, o valorize.

Classificar é tão natural ao homem que independe de sua vontade ou consciência. Isto é um fato. Pois da necessidade imposta pela realidade desde a mais remota e distante, o que se percebe é uma forte relação homem X natureza e, portanto, homem X realidade. Não posso nem tenho como desvincular nem dissociar realidade de Homem, assim como a consciência, deste. Não acredito em seres humanos inconscientes. Classificar seres humanos de inconscientes é classificá-los de irracionais, pois toda forma de explicação de algo que lhe ocorreu, seja no plano das emoções ou dos fatos em si, é um estado de consciência e não de alienação, o faz questionarmos as concepções hegeliana e marxista de alienação.

Um pescador, um agricultor, um professor, um jornalista... Todos possuem seus modelos de consciência, logo segundo suas experiências concretas, o que será remodelado com sua formação cognitiva no decorrer da vida. Portanto, cada um entende, explica e vive segundo seus modelos de consciência e esta não é um atributo desta ou daquela instituição. Não está restrita à família, à economia ou à escola. Por natureza, somos conscientes e não alienados.

Não acredito em professores alienados, por que não há seres humanos alienados. Quando essa categoria de pensamento foi criada, assim o foi como uma conseqüência de um entre outros modelos de entendimento da mente humana, no caso, o sociológico. Deixar-se ceder à concepção e classe de alienação, é retornar à já ultrapassada fase do pessimismo pedagógico, estágio de entendimento docente que nos fez tanto mal, quando desacreditamos na capacidade humana de se superar e vencer as realidades que criamos em sociedade. Somos conscientes sim, porque somos humanos. Simplesmente.

* É professor formador de professores pelo Estado de Roraima, cientista social, metodólogo e mestrando em Antropologia pela UFRN. E-mail: wanderleyrr@oi.com.br.
Disponível em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?editoria=opiniao&Id=34716. Acessado em: 26 de janeiro de 2008.